HUSKY SIBERIANO

Resistência - Fidelidade - Inteligência

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Origem do Cão - Uma Hipótese

Origem do cão

O nome científico de qualquer ser vivo é dado de acordo com um método padrão: primeiro, o nome do gênero, começando por uma letra maiúscula, e em seguida a espécie, sempre em minúsculas. Os nomes científicos usualmente são derivados do latim ou grego, ou ainda "latinizações" de nomes próprios.

O uso desse tipo de nomenclatura é muito importante para a comunicação científica: torna possível referir-se a um ser vivo sem problemas de traduções ou ambigüidades. Você pode não saber o que é um volk, susi, warg ou wolf, mas qualquer zoólogo, não importa se na Patagônia ou na Sibéria, sabe o que é um Canis lupus!

Esse é o nome científico do lobo, Canis lupus. Isso significa que o lobo pertence ao gênero Canis, que abarca também os coiotes, chacais e o cão selvagem africano, e à espécie lupus, que é ligeiramente distinta dos coiotes, chacais e do cão selvagem africano.

Até há relativamente pouco tempo, o cão doméstico era designado pelo nome científico Canis familiaris, indicando que ele pertencia ao mesmo gênero do lobo, chacal, coiote e cão selvagem africano, porém com algumas diferenças específicas que seriam suficientes para classificá-lo como outra espécie, separada de qualquer uma das outras. Como veremos no ponto seguinte, muita coisa mudou aqui!

Além da espécie, um terceiro termo pode entrar ainda na composição do nome científico do animal, que é o da sub-espécie, ou raça, ou variedade, e que quando existe aparece logo em seguida ao da espécie, também em minúsculas. Normalmente, a sub-espécie discrimina populações da mesma espécie com pequeníssimas singularidades causadas, por exemplo, pelo isolamento geográfico. E é à ciência da taxonomia que compete o classificar os seres vivos de acordo com Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero e Espécie.
Todo Cachorro é um lobo
Em 1993, a Sociedade Americana de Mamalogistas e o Smithsonian Institute publicaram o manual Espécies de mamíferos do Mundo: Uma referência taxonômica e geográfica (em inglês), editado por D.E. Wilson e D.A.M. Reeder. Nessa obra, conviu-se que o nosso cão doméstico deveria ser designado como Canis lupus familiaris, ao invés do anterior Canis familiaris, confirmando portanto o consenso da comunidade científica que o cão é de fato exatamente da mesma espécie que o lobo, o que é a mesma coisa que dizer que o cão é uma "raça" (ou uma variedade, ou uma sub-espécie) de lobo, como por exemplo o lobo ártico, Canis lupus arctos, que é uma outra variedade de lobo.

Qualquer uma das mais de 400 raças de cães tem, no máximo, 0,2% de diferença genética com um lobo. Ou seja, o Poodle ou o Pequinês são, na realidade, um lobo! Logicamente, um lobo que foi incrivelmente alterado em aparência e comportamento através de gerações e gerações de seleção artificial. Mas geneticamente um lobo, afinal!

Cães e lobos podem cruzar entre si, gerando descendência fértil (os famosos "cães-lobo"). A definição clássica de "espécie" é justamente o conjunto de indivíduos que são capazes de reproduzir-se entre si. Cavalos e burros não são da mesma espécie, o que significa que o produto do seu cruzamento, a mula, tenha baixíssima fertilidade (aliás, desde os romanos o dito Cum mula peperit, "Quando a mula parir", é usado para acontecimentos improváveis).

Um dos procedimentos que os esquimós empregam algumas vezes para "melhorar o sangue" dos seus cães de trenó é justamente deixar as fêmeas no cio numa floresta, à espera de que ela seja coberta por um lobo. Algumas vezes, entretanto, ela pode ser devorada sem maiores delongas...

Na verdade, todos os membros do gênero Canis (lobos, coiotes, chacais e o cão selvagem africano) podem cruzar entre si, em cativeiro, gerando descendência fértil. Portanto, se poderia perguntar, "Então, todos eles são da mesma espécie?". A resposta, entretanto, é não. Eu perguntei isso ao corpo técnico do National Museum of Natural History, e a resposta que me deram era mais ou menos a seguinte: "Embora animais silvestres possam cruzar entre si em cativeiro, isso não implica que o façam na natureza. Portanto, não se aceitam registros de intercruzamento em cativeiro para estabelecer a "sinonimização" das espécies. Ou seja, o conceito de "espécie" leva em conta apenas àqueles cruzamentos que ocorrem na natureza, devidamente comprovados, e não em cativeiro.

As semelhanças entre cães e lobos são tantas, que um cruzamento entre ambos produzirá um animal que pode parecer-se com o cão, o lobo, ou qualquer coisa intermediária, e apenas observando é difícil, senão impossível, saber qual a porcentagem de cada no filhote. Todas as vacinas que são usadas em lobos podem ser usadas em cães e vice-versa, por exemplo.

Portanto, se você tem cachorros, parabéns! Saiba-se desde já parte de uma alcatéia doméstica!
Naturalmente, há algumas diferenças entre os cães e os lobos, e embora a aparência seja a mais chamativa, eu opinaria que não é a mais importante. As distinções que vamos discutir servem na verdade para comparar qualquer animal doméstico com o seu antepassado selvagem.

Em primeiro lugar, os cães apresentam neotenia, isto é, a permanência de características juvenis nos animais adultos.

Nos filhotes de todos os animais, e nos bebês humanos, as proporções entre os membros do corpo são muito diferentes das dos adultos. Por exemplo, animais jovens tipicamente têm cabeças, patas e orelhas “grandes demais” para os seus corpos, mas essa relação vai diminuindo conforme vão atingindo a maturidade. [Portanto, se você é um adolescente traumatizado com o tamanho descomunal das suas orelhas, braços, mãos ou pés, não se preocupe, que isso vai passar!] Focinhos, por outro lado, são pequenos em relação ao resto do crânio nos animais jovens, e maiores nos adultos.

Pois bem, quando esse ajuste natural não acontece, ou não acontece totalmente, temos a chamada neotenia: animais adultos que ainda apresentam pelo menos algumas proporções típicas de filhotes.

Quando se diz que um cão apresenta neotenia, isso significa que, quando comparamos um cachorro adulto com um lobo, as proporções corporais do cachorro estão mais para o filhote de lobo do que para o lobo adulto. Seu esqueleto está, em certo sentido, “acriançado”.

Além das diferenças físicas, os comportamentos são distintos: os filhotes de lobo podem ser amansados até uma determinada idade (antes de que atinjam a maturidade sexual, aos 22 meses), e durante esse período de tempo estão abertos para interações sociais, ou seja, têm aberta a "janela de socialização". Depois disso, já são mais ariscos. Cães, porém, são consistentemente mais amigáveis. Aliás, é precisamente por isso que eles são domésticos: a última coisa que qualquer dono quereria seria um animal que, de repente, não fosse mais tão dócil e amigável. Animais domésticos foram precisamente selecionados para viverem junto com o homem, de acordo com as regras humanas.

Finalmente, o padrão de reprodução dos cães é também diferente. Os lobos, e todos os canídeos selvagens, acasalam-se geralmente no inverno e, após uma gestação de aproximadamente 63 dias, têm sua única prole do ano. Acredita-se que na natureza, o cio das fêmeas seja regulado pelo fotoperíodo, ou seja, pela duração do dia. No inverno, os dias são mais curtos (o período de claridade é menor), e essa diferença, aliada a outros possíveis fatores, seria o “sinal” para o organismo da fêmea de que chegou o período de acasalamento.

As cadelas, ao contrário, podem entrar no cio até duas vezes ao ano, e normalmente esse ciclo não apresenta influências ambientais. A domesticação altera o mecanismo hormonal nativo dos animais.

É por isso que se insiste muito em que um animal doméstico não é a mesma coisa que um animal amansado. Embora ambos possam ser simpáticos e amigáveis, o primeiro é fisica, psicologica e biologicamente distinto do segundo.
Os cães descendem de lobos asiáticos
As evidências arqueológicas, que concordam com todas as outras informações disponíveis, mostram que o ancestral original do nosso cão doméstico não foi uma das grandes sub-espécies nórdicas do lobo, como o lobo cinzento, mas muito provavelmente uma da região do Sudeste Asiático, Oriente Médio e/ou norte da África, como o lobo árabe (Canis lupus arabs) e/ou o lobo indiano (Canis lupus pallipes). Portanto, os cães mais primitivos não são aqueles do tipo dos cães de trenó, mais “parecidos” com lobos, mas sim alguma coisa semelhante ao que é hoje um Basenji, um Cão de Canaã ou ao Dingo australiano.

Há algum tempo vinha sendo sugerida uma contribuição de coiotes, chacais e outros canídeos na origem dos cães domésticos (posto que, como vimos acima, todos os membros do gênero Canis podem cruzar entre si), baseados principalmente em semelhanças físicas, mas os estudos genéticos mais recentes não sustentam essa teoria: ao que tudo indica até o momento, apenas um animal contribuiu decisivamente à origem do cão doméstico, e esse animal é o lobo.
Quando aconteceu

Aqui existe uma aquecida disputa nos meios acadêmicos. Por um lado, os registros arqueológicos mostram os restos de cães domésticos com idade máxima de 14.000 anos. Porém, as análises genéticas, baseadas na divergência do DNA mitocondrial de lobos, cães, coiotes e outros canídeos, empurram essa data muito mais para o passado, há 135.000 anos (ou, ao menos, seguramente mais de 100.000 anos).

Os especialistas em genética de canídeos argumentam que os registros fósseis são capazes apenas de mostrar quando os cães começaram a distinguir-se fisicamente dos lobos. Se os primeiros cães eram tão parecidos com os lobos como vimos, não seria de se estranhar que, observando os seus fósseis, se pensasse que tratavam-se de lobos selvagens. Por sinal, os mesmos vestígios arqueológicos mostram "lobos" associados a humanos desde um passado tão remoto como há 400.000 anos! Quem sabe se esses "lobos" não eram na verdade já os primeiros cães domésticos, com as características desejadas pelos humanos para a convivência?

A data sugerida pelos arqueólogos (14.000 anos) concorda aproximadamente com a época em que os humanos teriam trocado o estilo de vida nômade-caçador pelo agrícola. Tal mudança de estilo de vida teria imposto novas pressões evolutivas sobre os seus animais de estimação, que "responderam" com novas características físicas bastante diferentes das anteriores, e que os distanciavam ainda mais dos lobos selvagens.

Portanto, segundo esses autores, o que os arqueólogos estão vendo são as primeiras diferenças de fenótipo (ou seja, de características exteriores) dos cães. E os geneticistas estão vendo as primeiras diferenças de genótipo (ou seja, da carga genética) dos animais.


Referências Bibliográficas

Carles Vilà, Peter Savolainen, Jesús E. Maldonado, Isabel R. Amorim, John E. Rice, Rodney L. Honeycutt, Keith A. Crandall, Joakim Lundeberg e Robert K. Wayne, "Multiple and ancient origins of the domestic dog", Science 1997, 276, 1687-1689.

Kaoru Tsuda, Yoshiaki Kikkawa, Hiromichi Yonekawa e Yuichi Tanabe, "Extensive interbreeding occurred among multiple matriarchal ancestors during the domestication of dogs: Evidence from inter-and intraspecies polymorphisms in the D-loop region of mitochondrial DNA between dogs and wolves" Genes Genet. Syst. 1997, 72, 229-238.

D. E. Wilson e D. M. Reeder (eds), Mammal Species of the World, Smithsonian Institution Press, 1993, 1206 pp.

2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Caramba muito show isso, todo cão tem um "pouco" de lobo na genética.
Então uma husky mesmo no cio pode ser morta por um lobo?
tinha uma idéia de que huskys e lobos eram mais socáveis... viajei nesse pensamento rsrsrs.